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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Capítulo 01





" Mistakes I've made in this life, I can't say why or when; But the thing that's strange is you only live once. I'll never look back again. "




As paredes brancas pareciam sufocá-la. Apertava os papéis do exame nas mãos, o olhar fixo no médico que agora mais lhe parecia um carrasco, pronto para tirar o que tinha de mais importante na vida.
- Eu lamento. Tudo irá ficar bem. - Ele dizia, pousando uma mão de leve nos ombros da mulher, alheio aos pensamentos de ódio e tristeza que ela sentia. - Apenas cuide para que os próximos meses sejam os melhores para ela.
Na sala de espera, Caroline aguardava, ansiosa. Ao ouvir os passos da mãe que retornava, se pôs de pé, o rosto cheio de expectativa.
- E então, mamãe? - Indagou, no momento em que a mulher reapareceu. Sua expressão era vazia. Encarou a filha, perdida em pensamentos.
- Mamãe...? - Pressionou Caroline, após alguns momentos de silêncio. Márcia pareceu despertar de seu próprio mundo. Sorriu brevemente para a garota, conduzindo-a para a saída do consultório, com um discreto "no carro conversamos."
A viagem para casa foi silenciosa. A garota já esperava pelo pior; sua mãe estava distante e calada, não poderia esperar boas notícias vindas disso. Limitou-se a cruzar as mãos sobre a barriga, e olhar pela janela, lutando contra as lágrimas que queriam vir. Há muito já havia aceitado a sua condição, mas ficava triste em saber que sua família sofreria por causa disso.
- Carol... como é o nome mesmo daquela banda? - A mãe quebrou o silêncio, após um longo tempo.
- Que banda?
- Aquela que você adora. Dos loiros bonitinhos.
- Hanson? - Perguntou a garota, surpresa com o tópico do assunto.
- Sim, essa. Eles ainda estão fazendo shows, não é?
- Só nos Estados Unidos. Não acho que voltarão pra cá tão cedo.
- Você poderia ir até lá para vê-los, não é?
- Por que? - Caroline perguntou, desconfiada. Já havia feito aquele pedido para a mãe antes, e tomara como resposta um sonoro não. As coisas não poderiam ter mudado assim tão depressa.
- Ora, você gosta tanto deles. Sempre falando sobre esses Hanson, deveria ir até lá de uma vez.
Márcia fazia a proposta com convicção, e um enorme sorriso estampado no rosto. Um sorriso grande demais para que parecesse autêntico. Caroline sentiu um frio na barriga, ao compreender o que acontecia.
- Vou morrer não é? O médico disse que vou morrer. - Perguntou baixinho.
A mãe quase bateu o carro. Freiou bruscamente, estacionando de mal jeito junto ao meio fio.
- Por que está falando isso Caroline? Não gosto quando fala essas coisas. - Parecia fazer forças para que sua voz soasse repreensora.
- Você não precisa mentir pra mim mamãe, eu sabia que algo assim iria acontecer. Estou bem com isso, mas quero que me diga a verdade.
Márcia a encarou por um longo momento, num intenso conflito interior. Não sabia qual era a coisa certa a se fazer. Por fim, decidiu que não queria ser responsável por encher a cabeça de sua filha de dúvidas. Sempre tiveram uma relação muito sincera, e essa não era a melhor hora para começar a mentir. Suspirou, antes de colocar tudo para fora.
- Aquele seu problema no coração piorou bastante. Sempre foi impossível operar, mas os médicos imaginavam que os remédios retardariam as complicações por mais algum tempo. Dessa vez, infelizmente... o... eu... - ela vacilava, diante do olhar intenso da garota. - Eles te deram um ano de vida. - Terminou, em um sussurro aflito, sem conseguir evitar que as lágrimas escorresem.
A expressão de Caroline era uma máscara. Mas ela sabia que naquele momento, precisaria usar toda a força de vontade que tinha, cada fibra do seu corpo teria que lutar contra o desespero que ameaçava dominá-la.
- Está tudo bem, mamãe. De verdade.

*****


Deitada de bruços na cama, Caroline estava de olhos fechados, mas não dormia. Uma semana após a fatídica visita ao médico, ela ainda não conseguira sair do quarto. Estava perdendo um tempo precioso, mas precisava colocar seus pensamentos em ordem, descobrir o que fazer em seguida. Naquele momento, porém, tentava escapar da sua realidade. Abraçava o travesseiro, se concentrando apenas na voz que enchia a escuridão do quarto. When you have no light to guide you and no one to walk beside you, I will come to you... oh, I will come to you.
Aquela voz a transportava para outro mundo. Um mundo onde tudo estava certo, onde seus problemas não existiam. Só existia a alegria. When the night is dark and stormy you won't have to reach out for me.... Afinal, não queria mais viver nesse mundo. Por que aquilo estava acontecendo com ela? Não conseguia afastar esse pensamento obscuro. Isso não era justo. Ela sempre fora uma boa garota. I will come to you... oh, I will come to you. Então por que ninguém vinha para salvá-la? Eram médicos, caramba. Médicos deveriam salvar as pessoas. Quem aquele médico pensava que era, para simplesmente decidir quando ela deveria morrer? Sometimes when all your dreams may have seen better days... Todos seus sonhos estavam perdidos. Ela tinha apenas dezenove anos, entraria em uma faculdade no próximo semestre. Queria ser uma médica também. Apesar de que, nesses últimos dias, sua vontade mudara... médicos são ruins. Só dão notícias terríveis e estragam a vida das pessoas. When you don't know how or why, but you've lost your way... O que ela iria fazer agora? Um ano. Um ano, e basta. Sempre que se lembrava desse prazo, as lágrimas escorriam insistentemente pelo seu rosto. Lágrimas de tristeza, de saudade, de decepção por ter conhecido tão pouco da vida. Have no fear when your tears are falling... Lágrimas de medo, por não saber o que haveria do outro lado. Talvez fosse o fim. Iminente, certeiro. I will hear your spirit calling... ou talvez ela se tornasse um espírito, e prosseguiria, de alguma forma. Se ao menos pudesse ter certeza...
Uma batida alta na porta a despertou dos seus devaneios. Caroline sentou-se na cama, assustada, desligando o aparelho de som imediatamente.
- Entre. - Sua voz saiu forçada, como se não falasse há dias. Pigarreou, e tentou novamente. - Entre. - Disse, com mais clareza.
A porta se abriu, e o rosto barbudo do pai apareceu na porta.
- Olá, querida. - Ele entrou timidamente no quarto, segurando um envelope e observando-a com atenção. Parecia escolher as palavras com cuidado. - O que estava fazendo?
- Nada. - Respondeu, se apressando em limpar os resquícios de lágrimas no rosto. - Apenas pensando.
Ele caminhou até a garota, sentando-se ao lado dela. Sorriu ao ver a capa do CD sobre a cama.
- Bom, Carol... sua mãe e eu preparamos algo para você. - Começou, arriscando um olhar para a filha. - Achamos que pode alegrar os seus dias.
Ela apenas o encarava, muda. O homem pareceu dar-se conta de que não teria qualquer outra reação, então apenas entregou o envelope a ela. Caroline o recebeu, curiosa, e descobriu dois pedaços de papel dentro dele. Franziu a testa ao ler.
- Ingressos...? O que..?
Olhou para o pai sem entender. O sorriso no rosto dele se desmanchou, decepcionado por ela não ter compreendido o presente.
- Sim, em Columbia. - Ele destacou o nome da cidade.
- Não conheço ninguém lá. - Ela respondeu, confusa. - Apesar de que os... ah... - Sua expressão se modificou de repente, ao ler mais cuidadosamente os dados que o papel trazia. - O show do Hanson na próxima semana? Sério?
Ele sorriu de modo satisfeito.
- Pai, eu não acredito! - Estava eufórica. - Pensei que mamãe havia falado só por falar. E dois ingressos? Por que? O senhor vai comigo? - Ela estava ansiosa, feliz. Parecia ter esquecido momentaneamente dos seus problemas.
- Não, Carol. - riu o pai, sorrindo ao vê-la tão empolgada. - É para você convidar uma amiga, chame quem quiser. Essa será a sua viagem. Esse é apenas o começo, um gesto simbólico, mas quero que passe uns bons dois meses com os gringos, e terá boas histórias para nos contar.
- Dois meses? - Ela não cabia em si de felicidade. - Pai, eu não acredito. Como fez isso? Não temos dinheiro.
Ele pareceu estranhamente constrangido
- Vendi algumas coisas... o carro, por exemplo. E está ótimo, não precisamos de dois. Agora sua mãe deve me levar todos os dias ao trabalho, isso provavelmente vai até melhorar nosso relacionamento.
Caroline riu de modo sincero. Sabia que o pai sempre amara o velho Kharmann Ghia da família, e aquilo com certeza era um gesto de amor. O abraçou, sem saber exatamente o que dizer.
- Pai, obrigada... isso é tão bom... obrigada mesmo, eu estou... eu..
- Eu sei, querida. Eu sei. - Respondeu emocionado, acariciando os cabelos da garota.

" I wont sit around just thinking about the troubles that tomorrow brings. "

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